Dica de torcedor,
concentração, rivalidade, pagode na caixa de isopor e celulares levados pelo
mar na história da decisão da Série D
Por WALLACE MATTOS
DA TRIBUNA DE MINAS - EDIÇÃO DE DOMINGO, 27/11/2011
DA TRIBUNA DE MINAS - EDIÇÃO DE DOMINGO, 27/11/2011
Muitos elementos compuseram a história da conquista
do título do Campeonato Brasileiro da Série D pelo Tupi. Gols, passes,
vitórias, empates e derrotas, além de contusões, dúvidas, escolhas táticas e
técnicas foram amplamente cobertas pela imprensa. Mas, habitualmente, os
acontecimentos de bastidores ficam guardados somente entre quem os protagonizou
ou presenciou os fatos. Desta vez, prestes a viver a mais importante final dos
99 anos do Tupi, os jogadores se juntaram ainda mais com torcedores e membros
da imprensa local presentes a Recife. Com a proximidade, contaram e vivenciaram
fatos não só durante a partida, mas antes, na expectativa pelo momento decisivo
da Quarta Divisão, e depois, na comemoração que durou do apito final do 2 a 0
no Arruda até Juiz de Fora - e muitos dizem que irá perdurar até a estreia do
Campeonato Mineiro.
Nas próximas linhas, você vai conhecer algumas das
histórias de bastidores do título da Série D do Brasileiro. Relatos de
apreensão antes do jogo, de como se sentiram os jogadores em campo e da
comemoração animada de uma conquista histórica, trazida ao Tupi por um grupo
extremamente compenetrado e de qualidade, mas, acima de tudo, alegre.
Antes
Uma rápida passagem pelo hotel no qual estavam hospedados os jogadores
do Tupi na noite anterior ao domingo de decisão deu bem a noção de como o grupo
encarava com seriedade a decisão. Embora estivessem descontraídos, os atletas
que não estavam em seus quartos após o jantar, caso dos atacantes Ademilson e
Allan, demonstravam concentração total no jogo.
Mas, para os jogadores e parte da torcida, a final já havia começado.
Benemérito do Tupi, Geraldo Suriane, torcedor tradicional do clube e pai do
auxiliar técnico Felipe Suriane, estava presente ao hotel do elenco e
acompanhou a delegação no treino de reconhecimento do Arruda, no sábado à
tarde. No caminho, o carijó, que chegara a Recife na quarta-feira anterior,
conversou com Allan. "Acompanhei jornais e resenhas de rádio e televisão
falando sobre a partida. Percebi que eles falavam muito do Ademilson. Todas as
atenções de marcação seriam para ele. Falei isso com o Allan, para que ele
ficasse atento, que a chance surgiria para ele", relata Suriane.
O atacante lembra que a dica de Suriane chamou sua atenção e valeu na
hora do jogo. "O Geraldinho havia me dito para ficar esperto, que era meu
dia e a oportunidade apareceria para eu marcar. E foi isso mesmo que aconteceu
na partida. Agradeço as palavras dele, é uma pessoa pela qual todos aqui têm
muito carinho, e isso ficou marcado", relembra o atacante.
Ainda antes de a bola rolar, a torcida do Santa Cruz impressionou e
provocou os jogadores do Tupi. Mas, o grupo focou nos juiz-foranos presentes ao
Arruda e naqueles que torciam em Juiz de Fora. "Apesar do esquema forte de
segurança, nosso ônibus foi atingido por objetos, e muitos torcedores passaram
nos intimidando. No aquecimento, mais pressão. Mas, foi aí que percebemos que
havia torcedores do Tupi em um cantinho do Arruda. Sabíamos que teríamos que
jogar por eles", contou o zagueiro Wesley Ladeira.
Uma atitude dos tricolores em especial mexeu com o brio dos atletas.
"Chegando ao estádio, vimos alguns integrantes da torcida deles já com as
faixas de campeão. Aquilo mexeu conosco", disse o meia Michel.
"Entramos em campo para enfrentar 60 mil, mas sabendo que alguns
torcedores estavam conosco nas arquibancadas e muitos mais em Juiz de Fora.
Encarnamos o espírito de luta de todos", completou o meia Henrique.
Na subida para o
campo do Arruda, clima de tensão
Já prontos para subir ao campo, os jogadores do Tupi viveram uma
situação inusitada. Como o Santa demorou para adentrar o gramado, a arbitragem
da partida pediu para que a entrada do Carijó fosse feita. Mas, como é hábito,
para que o time visitante não sinta a pressão de um estádio lotado, os jogadores
juiz-foranos não quiseram subir o túnel antes dos donos da casa. A demora quase
criou um novo problema. "Estávamos prontos e em fila, mas eles demoraram
muito. Nos recusamos a ir antes e, depois da conversa e da corrente final,
ainda tivemos que manter o aquecimento para não entrarmos travados", conta
o lateral-esquerdo Augusto.
Depois do apito inicial, a torcida do Santa Cruz tentou fazer sua parte
e, em alguns instantes, atrapalhou o Tupi. "O barulho dentro do gramado
era muito alto. O Cléber (Welington Abade, árbitro da partida) falava comigo e
eu não escutava nada. Só ouvi uma vez que ele chegou bem perto da minha orelha
e falou que começara a contar os segundos que eu estava com a bola",
relatou o goleiro Rodrigo. "Não dava para chamar os companheiros gritando.
A comunicação tinha que ser por gestos. Por vezes, até no olho", completou
Augusto.
Para alguns, o fim do primeiro tempo representou a afirmação necessária
para confiar de vez no título. "Quando descemos para o vestiário no
intervalo, pensei: 'vamos ser campeões'. Estávamos muito bem postados na
marcação, certinhos mesmo. Só faltava encaixar o contra-ataque. Eles só
venceriam se achassem um gol improvável no início da segunda etapa. Isso não
aconteceu, e acertamos o que faltava", disse o volante Marcel.
Quem marcou os gols da vitória disse ter esquecido imediatamente dos 60
mil do Arruda."Nem pensei em nada. Só na minha neta, recém nascida. Fiz o
gol para ela", lembra o atacante Allan. "Na hora, só pensei em correr
para o canto que estava nossa torcida. Havia dito que faria o gol do título, e
ele foi para essa torcida", dedicou Henrique.
Farra no campo, no
hotel e na Praia de Boa Viagem
Quando o apito final soou no Arruda, a festa dos carijós, que já
acontecia no canto ocupado por 30 torcedores, tomou conta do gramado, com
jogadores e comissão técnica. Durante a entrega da taça e das medalhas, nenhuma
manifestação hostil da torcida do Santa Cruz, que ainda ocupava parte do
Arruda. Pelo contrário, os corais aplaudiram a volta olímpica dos juiz-foranos,
em rara demonstração de cordialidade.
A volta do ônibus carijó ao hotel foi acompanhada de saudações dos
torcedores de Sport e Náutico, rivais do Santa Cruz. No desembarque, na praia
de Boa Viagem, o trânsito retido pela polícia não registrava as buzinas nervosas
de motoristas irritados, mas uma feliz saudação dos recifenses contentes com o
revés do Tricolor em pleno Arruda.
A celebração continuou em uma churrascaria, onde o jantar da delegação
teve sabor especial com a presença da taça e das medalhas dos campeões
brasileiros, devidamente assediados pelos garçons e frequentadores do local.
Embalados por um hit que tem as primeiras palavras impublicáveis e termina em
"... o Tupi calou 60 mil!", os atletas brindaram e saborearam a
vitória durante cerca de duas horas.
Os festejos se esticaram madrugada adentro e até o sol dar o ar da graça
em Boa Viagem. Sempre animando o grupo e puxando o pagode com seu indefectível
instrumento musical - uma caixa de isopor -, o zagueiro Silvio dava o ritmo da
festa. "É meio no improviso, mas fica bonito. O mais importante é
extravasar essa alegria que sentimos no momento. E nada melhor do que a
música", explicou o defensor, que teve a companhia do meia Vitinho - com a
tampa da caixa de isopor - e do volante Marquinhos, além das participações
especiais de outros integrantes do grupo desde a praia de Boa Viagem até o
desembarque em Juiz de Fora.
O ambiente durante todo o retorno não podia deixar de ser de muita
festa, e as brincadeiras quase que invariavelmente tinham o atacante Cassiano
como alvo. "O Cassiano é uma comédia. Chegou ao Rio dizendo que o
motorista do avião era muito bom", entrega Ademilson. "Eles brincam
muito comigo mesmo. Tudo bem, não ligo. Esse grupo virou uma família. Temos até
um gesto para simbolizar isso, o 'tamo junto'", diz Cassiano, mostrando
como é feito.
Para não dizer que tudo foi alegria e lucro para o elenco, um dos
jogadores amargou prejuízo em terras pernambucanas. Relaxando na praia de Boa
Viagem na manhã da última segunda-feira, o goleiro Douglas Borges se distraiu e
não percebeu que a maré subia. Acabou sendo surpreendido pelo mar. "Meus
dois celulares estavam no banquinho, próximos a mim. A onda veio, derrubou tudo
e levou. Acabei ficando sem meus telefones", contou o arqueiro, que agora tenta
recuperar agendas e outras informações que guardava nos aparelhos.